terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Quem quebrou a Lua?


“A bua! A bua quebada!” – exclama a criança apontando para o céu, referindo-se à lua no seu estágio minguante. “E quem quebrou a lua, bebê?” – pergunta um adulto motivando a continuidade daquela bizarrice – “Foi o Gabi (irmão)!”. Todos que presenciavam aquele diálogo caem na gargalhada e fazem parecer que é mesmo culpa do irmão o fato da lua não estar redondinha, como observado em outra ocasião pela criança. “Ah esse Gabi, teve que quebrar a lua, bebê?”
Embora todos ali presente tenham admirado a observação feita pela criança e aproveitado para ensinar (falaciosamente) que toda consequência tem uma causa  (nesse caso a causa foi o Gabi e a consequência foi o sumiço de parte da lua), raras vezes nos perguntamos sobre o que se passa na cabeça do aprendiz de mundo ao deparar-se com uma observação como essa. Conceitos como tabula-rasa (John Locke) e categorias a priori (I. Kant) foram utilizados para exemplificar teorias acerca do conhecimento humano, tentando desvendar o processo que, mesmo parecendo bizarro  para nós, adultos, é motivo de estupefação para uma criança, uma conquista, uma aventura.
Conhecer o mundo é novidade para o recém-nascido. Maravilhar-se com aquilo que o rodeia é comum até os anos da juventude, e torna-se mais raro na idade adulta. Digamos que nessa idade as capacidades cognitivas (infelizmente) já não sejam mais tão atraentes como ocupar-se e pré-ocupar-se com trabalhos e responsabilidades que necessitam demais da atenção das atividades cerebrais (eufemizando a ganância pelo dinheiro). Não que o conhecimento possa ser esgotado, mas a sensação de conhecer algo novo já não causa tanto entusiasmo como na criança que tem por única tarefa, ocupar-se de descobrir o mundo e exercitar sua reflexão sobre ele.
No exemplo da criança, acima citado, lembro da teoria de Jean Piaget, que aponta para a ausência da noção de profundidade nos infantes. Algo que para nós é tão banal, pode ser angustiante para uma criança. Imagine-se diante de uma pintura de paisagem (ou se possível, coloque-se diante de uma). Nessa pintura você enxerga o céu, as montanhas ao fundo, as árvores, um riacho provindo de uma distante cachoeira, as aves a voar sobre os montes, os gados logo ali na base da pintura junto ao estábulo. Tente tocar no céu da pintura. Tente tocar nas montanhas que estã lá no fundo, no céu, nas árvores, no riacho, na cachoeira, nos animais, no estábulo. Você consegue, não é mesmo? Para Piaget, colocar um bebê perante a paisagem inspiradora dessa pintura é o mesmo que colocar um adulto perante o desenho desta paisagem. É uma única imagem unidimensional, onde todas as coisas estão ligadas e desprovidas de individualidade. Ou seja, para a criança, é o quadro que existe. Logo ela estende a mão tentando tocar a imagem que lhe vem aos olhos, seja do gado que está logo ali, ou da ave que está voando sobre os montes. Essa falta de noção de profundidade creio que cause certo estresse para a criança no processo de aprendizagem. Se a coisa está ali, por quê que eu não posso tocá-la? O mundo seria muito mais simples de ser apreendido se não fosse tridimensional, mas quem sabe não seria tão empolgante, e quem sabe não teríamos desenvolvido tanto nossas habilidades sensoriais.
Para o bebê do exemplo, a lua é acessível, mas ele deve não entender o fato de ele não poder tocá-la. Os outros conseguem tocá-la, o Gabi mesmo conseguiu quebrar a bua. Nossa mente dá passos lentos mas grandiosos para chegarmos às noções dimensionais do mundo. Creio que as dimensões que comportam o apriorismo Kantiano sejam as tradicionais altura, comprimento e largura. Kant defende a ideia de que possuímos um conhecimento inato sobre o mundo. Na verdade não se trata de um conhecimento, mas uma potencialidade de conhecimento. Grosso modo, esse conhecimento apriorístico seria como que uma vasilha vazia em nosso cérebro, disposta a ser preenchida pelos nossos sentidos. Na medida em que experimentamos o mundo, vamos colocando conteúdo nestas vasilhas. Este conteúdo é o conhecimento que o alemão define como a posteriori. Não conseguir tocar a lua, é dar conteúdo à vasilha do conhecimento de mundo. É experimentar a sensação de distância. Logo mais tarde a criança vai aprender que teria de ter um braço com pouco mais de 360 mil quilômetros de comprimento para alcançar o astro. Ainda bem que quando descobrir isso não vai mais lembrar ter culpado seu irmão pelo sumiço de meia-lua: seria vergonhoso.
Os dois filósofos, Locke e Kant, limitam o conhecimento. Locke apresenta nossa capacidade cognitiva como uma folha branca. Pois bem, os espaços em branco podem esgotar-se com excessivo número de informações. Da mesma forma as categorias a priori de Kant limitam-nos a conhecer aquilo que por elas está pré-definido.
Sem nada concluir através desse simples esboço sobre o conhecimento para mera prática de estruturação textual, deixo aberto para reflexões e troca de ideias sobre a existência de realidades não cognicíveis a nós, seres humanos. Será que ainda existem no mundo coisas que nossos sentidos não evoluíram a ponto de apreendê-las?
Abraço a todos e obrigado pela leitura!

Reginaldo Pereira de Almeida
Florianópolis, 22 de janeiro de 2013.


3 comentários:

  1. Texto muito bom Reginaldo,
    Estava lendo e ainda que nao entenda muita coisa de Piaget acho que tu serias um excelente jornalista. Impreciona-me ler o que escreves, queria ter tanta fluencia para escrever assim tambèm.

    Sobre a questao de se um dia "evoluiremos" ao ponto de "perceber" algo que hoje nao percebemos. Bem, uma minha opiniao. Se è verdade que conhecemos aquilo que "podemos" conhecer, e que por este "poder de conhecer" se entende a nossa "capacidade estrutural" de justamente conhecer, acrescentando ainda ao argumento a questao de que todas as nossas "interaçoes" com o mundo provèm dos sentidos e como dizia (ao menos implicitamente), estes sao "previamente" estruturados (em relaçao ao conhecimento), ouso afirmar que a resposta è nao. Isto pelo simples fato de que no conceito de "evoluçao" compreendo, alèm do simples fato de "vir a possuir uma 'caracteristica' que me favorece a vida", tambèm o seu "agente potenciador" (a sua causa eficiente), ou seja, o proprio meio ambiente. Bem, se è o meio o "instrumento" que me "afetando" "de algum modo" (para utilizar uma frase de Kant) faz com que eu "evolua", e se este "meio" pode afetar-me somente por intermedio do conhecimento (que como dito, è" delimitado"), è natural a minha afirmaçao, ou melhor, negaçao. Ora, que aquilo que eu vou desenvolver deve necessariamente ja estar presente em mim.
    Naturalmente que quanto a isto se poderia dizer que a questao è justamente esta. O termo "evoluçao" indica uma mudança qualitativa, de gradaçao, nao quantitativa, numerica. E isto è verdade. De fato um modo aparentemente muito mais simples de resolver o problema, restringindo o conceito. Contudo, existe um contudo. No momento em que o ambiente "afeta-me" a sensibilidade ele nao està fazendo outro que... Ah, eu nao tenho tempo para pensar isso agora tenho que estudar. Outra hora continuo.
    Desculpe a falta de acentos. Tchau.

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    1. Marcos.... Obrigado pelo seu Feedback! Veja com o L'Osservatore se eles me contratam! rsrsrs. Estou vendo este teu comentário às 2h da madrugada. Logo não tive capacidade de acompanhar teu raciocínio. Mas já sei que está aí e vou tentar te entender. Mas já vi que a Europa complexificou ainda mais o teu vocabulário que já era todo erudito.srsrs... Abraço!

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  2. Acho que é importante distinguir a limitação de Kant da de Locke, não acha? Enquanto o limite para Kant é qualitativo, para Locke é quantitativo.

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